O inverno na Nova Inglaterra, para o meu desespero, já
estava incomodando. Havia decidido que aquele inverno de 1997/1998 seria o meu
último por aquelas bandas. O problema é que eu não tinha emprego no Brasil para
voltar. Apesar de um pós-doc de bastante sucesso, as ofertas de emprego estavam
restritas ao mercado norte-americano. Como eu trabalhava em um dos primeiros
laboratórios de bioinformática no mundo e sob a supervisão de um dos pais da
Biotecnologia (Walter “Wally” Gilbert), as ofertas de emprego vinham dessa
indústria.
Até que em meados de Novembro recebo um telefonema de Ricardo
Brentani, diretor da filial do Instituto Ludwig no Brasil e meu orientador de
doutorado. “Precisamos conversar pessoalmente. Vou te mandar uma passagem para
a semana que vem”. Se aprendi alguma coisa nessa vida foi confiar no saudoso
“Brenta”. Lembro até hoje da minha resposta: “Claro, afinal também estou com
saudades”, o que se seguiu a sua inconfundível gargalhada. Como eu já mencionei
em um post anterior, a comunidade científica brasileira (e principalmente a
paulista) passava por um momento de grande euforia. A iniciativa da genômica no
estado de SP estava de vento em popa com o projeto de sequenciamento da
bactéria Xylella fastidiosa. Brentani
e Andy Simpson, então pesquisador-senior da filial de SP convenceram os
diretores do Ludwig nos EUA a investirem em um projeto de sequenciamento de
sequências expressas, as ESTs (Expressed Sequence Tags) em tumores de alta incidência no Brasil. A Fapesp, ansiosa por espandir a sua iniciativa genômica,
topou entrar no projeto. Um problema porém atormentava a todos. Havia a
necessidade de um bioinformata para tocar a parte computacional do projeto. Daí a ligação de Brentani
naquele frio Novembro de 1997 em Cambridge, MA.
A visita de poucos dias foi extremamente
produtiva. Conheci Andy e o seu grupo. Havia uma atmosfera de grandiosidade,
aquela percepção de que se está passando por um momento único. Para um jovem
cientista, a oportunidade de trabalhar em algo grandioso e importante NO SEU
país de origem era um sonho. Acertei com Brentani que voltaria por volta de
Setembro de 1998, afinal precisava terminar algumas coisas no pós-doc já
compromissadas com Wally. No entanto, de imediato já comecei a participar da
concepção do projeto.
No início de 1998, Andy Simpson, Fernando Perez
(na época diretor científico da Fapesp) e eu fomos ao National Cancer Institute visitar Bob Strausberg, então
coordenador do projeto americano CGAP (Cancer Genome Anatomy Project), já em
andamento e que tinha objetivos bastantes similares ao projeto brasileiro. A
ideia de um projeto brasileiro que serviria para complementar os esforços do
CGAP foi recebido com entusiasmo por Strausberg. Começávamos a amadurecer o projeto
brasileiro. Ainda no início de 1998, recebi na Harvard a visita de Emmanuel
Dias-Neto, na época pos-doc de Simpson no Ludwig. Ele deu uma palestra sobre
uma metodologia desenvolvida por eles chamada de “ORESTES” (Open Reading Frame
ESTs). Simpson e os colegas baseados no Brasil estavam em dúvida sobre qual
tecnologia usar no sequenciamento das ESTs brasileiras. De imediato, argumentei
que deveríamos usar a tecnologia ORESTES no projeto brasileiro. Primeiro porque
ela era uma tecnologia desenvolvida no Brasil e segundo, ela sequenciava
preferencialmente as regiões centrais dos transcritos (mensagens provenientes
dos genes), ao contrário da técnica usado pelo CGAP que preferenciamente
selecionava as extremidades dos mesmos transcritos. A tecnologia ORESTES foi a escolhida e na
metade do ano de 1998 iniciou-se um projeto piloto usando amostras de câncer de
mama. Um paper descrevendo os resultados desse projeto piloto foram publicados
no PNAS, disponível aqui.
No meio de 1999, iniciamos o Projeto Genoma Humano do Câncer, financiado pela
Fapesp e pelo Instituto Ludwig. Retorno a esse tema em posts futuros.
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