sábado, 13 de dezembro de 2014

Antes que meus neurônios morram


Tive o privilégio de participar de uma das mais importantes iniciativas científicas no Brasil, a iniciativa da genômica iniciada em 1997 no estado de São Paulo graças à ação da Fapesp. Antes que a morte dos meus neurônios, milhares por dia, afete a minha capacidade de lembrar alguns fatos importantes decidi postar algumas recordações e reflexões sobre aquele momento histórico da ciência brasileira. Enfatizo que o farei ao longo de vários posts que provavelmente tomarão alguns meses. Saliento também que darei em alguns posts uma noção mais histórica do período e em outros focarei em personagens ou eventos que merecem, penso, algumas reflexões. Vale também mencionar que não haverá uma sequência temporal nos posts. Ou seja, posso começar falando de 1997 em um primeiro post, pular para 2005 no outro e aí voltar para 1999 no terceiro.

            A segunda metade da década de 90 foi caracterizada nas ciências da vida pelo início do que convencionou-se chamar de “era genômica”.  O grupo de Craig Venter, então no instituto TIGR, publicou um artigo na revista Science descrevendo o sequenciamento do genoma da bactéria Haemophilus influenza, causadora de um tipo de meningite. O artigo foi revolucionário não só pelo fato de que representava a caracterização genética completa de uma espécie auto-replicativa (alguns virus já haviam sido sequenciados antes de 1995) mas também foi inovador sob uma ótica metodológica. O sequenciamento foi feito utilizando-se uma tecnologia chamada de “shotgun do genoma inteiro", onde fragmenta-se de forma aleatória o DNA genômico e os fragmentos são sequenciados redundantemente. Programas de computador são então usados para ordenar as sequências geradas fazendo então a “montagem” do genoma. Os anos que se seguiram a esse primeiro genoma testemunharam uma avalanche de outros genomas, principalmente de espécies bacterianas (devido ao seu menor tamanho).

            E onde entra o Brasil nessa estória? Aqui cabe mencionar o nome do Prof. José Fernando Perez. Um físico de renome proveniente da Universidade de São Paulo, Perez ocupava na segunda metade da década de 90 um dos postos mais importantes da ciência brasileira: diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Perez estava convencido de que o país precisava de um projeto impactante e ousado. Em uma visita aos EUA ele ficou impressionado com uma conversa com Leroy Hood (um dos pioneiros das tecnologias de sequenciamento de DNA). Mas a ideia de se fazer um projeto genoma foi do biólogo Fernando Reinach, na época professor-titular do Dep. de Bioquímica da USP. Em várias entrevistas nos anos seguintes, Perez e Reinach salientaram alguns pontos que aparentemente eram consensuais já no início da discussão sobre o projeto, entre eles: 1) o projeto deveria aproveitar a infra-estrutura já existente no estado de São Paulo, ou seja, recursos não deveriam ser gastos em prédios; 2) o organismo a ser sequenciado deveria ter um impacto na área econômica e 3) esse impacto deveria estar ligado à agricultura. O ponto 1 acima foi brilhante. Muitos projetos no Brasil e no mundo gastam recursos na construção de uma infra-estrutura física como prédios e laboratórios. O projeto paulista formou uma rede de laboratórios sob o acrônimo ONSA (Organization for Nucleotide Sequence Analysis) que lembrava o instituto americano TIGR, na época a Meca da genômica. 

to be continued.......

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