Tive o privilégio de participar de uma das mais importantes
iniciativas científicas no Brasil, a iniciativa da genômica iniciada em 1997 no
estado de São Paulo graças à ação da Fapesp. Antes que a morte dos meus
neurônios, milhares por dia, afete a minha capacidade de lembrar alguns fatos
importantes decidi postar algumas recordações e reflexões sobre aquele momento
histórico da ciência brasileira. Enfatizo que o farei ao longo de vários posts
que provavelmente tomarão alguns meses. Saliento também que darei em alguns
posts uma noção mais histórica do período e em outros focarei em personagens ou
eventos que merecem, penso, algumas reflexões. Vale também mencionar que não
haverá uma sequência temporal nos posts. Ou seja, posso começar falando de 1997 em um primeiro post, pular para 2005 no outro e aí voltar para 1999 no terceiro.
A segunda
metade da década de 90 foi caracterizada nas ciências da vida pelo início do
que convencionou-se chamar de “era genômica”.
O grupo de Craig Venter, então no instituto TIGR, publicou um artigo na
revista Science descrevendo o sequenciamento do genoma da bactéria Haemophilus
influenza, causadora de um tipo de meningite. O artigo foi revolucionário não
só pelo fato de que representava a caracterização genética completa de uma
espécie auto-replicativa (alguns virus já haviam sido sequenciados antes de
1995) mas também foi inovador sob uma ótica metodológica. O sequenciamento foi
feito utilizando-se uma tecnologia chamada de “shotgun do genoma inteiro", onde
fragmenta-se de forma aleatória o DNA genômico e os fragmentos são sequenciados
redundantemente. Programas de computador são então usados para ordenar as
sequências geradas fazendo então a “montagem” do genoma. Os anos que se seguiram
a esse primeiro genoma testemunharam uma avalanche de outros genomas,
principalmente de espécies bacterianas (devido ao seu menor tamanho).
E onde
entra o Brasil nessa estória? Aqui cabe mencionar o nome do Prof. José Fernando
Perez. Um físico de renome proveniente da Universidade de São Paulo, Perez
ocupava na segunda metade da década de 90 um dos postos mais importantes da
ciência brasileira: diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (Fapesp). Perez estava convencido de que o país precisava de um
projeto impactante e ousado. Em uma visita aos EUA ele ficou impressionado com
uma conversa com Leroy Hood (um dos pioneiros das tecnologias de sequenciamento
de DNA). Mas a ideia de se fazer um projeto genoma foi do biólogo Fernando Reinach,
na época professor-titular do Dep. de Bioquímica da USP. Em várias entrevistas
nos anos seguintes, Perez e Reinach salientaram alguns pontos que aparentemente
eram consensuais já no início da discussão sobre o projeto, entre eles: 1) o
projeto deveria aproveitar a infra-estrutura já existente no estado de São
Paulo, ou seja, recursos não deveriam ser gastos em prédios; 2) o organismo a
ser sequenciado deveria ter um impacto na área econômica e 3) esse impacto
deveria estar ligado à agricultura. O ponto 1 acima foi brilhante. Muitos
projetos no Brasil e no mundo gastam recursos na construção de uma
infra-estrutura física como prédios e laboratórios. O projeto paulista formou
uma rede de laboratórios sob o acrônimo ONSA (Organization for Nucleotide Sequence
Analysis) que lembrava o instituto americano TIGR, na época a Meca da genômica.
to be continued.......
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