Os artigos do Projeto Genoma Humano e do projeto desenvolvido pela Celera foram
publicados pelas revistas Nature e Science, respectivamente, em Fevereiro de 2001. O que pouca gente sabe é que
os dois trabalhos estavam programados para serem publicados juntos na Science.
O que aconteceu que fez com que os dois artigos fossem para revistas diferentes?
A Celera recusou-se a disponibilizar os dados oriundos do seu projeto visto que
a companhia tinha interesse em disponibilizar os dados e anotações mediante o
pagamento de uma taxa de acesso (o que veio a acontecer – lembro que o
Instituto Ludwig comprou o acesso aos dados da Celera e o disponibilizou a
todos os seus pesquisadores). A recusa em disponibilizar os dados foi aceita
pela Science, o que gerou uma revolta nos líderes do Projeto Genoma Humano. De
fato, na época, a publicação de qualquer sequência de DNA, RNA ou proteína
estava condicionada à disponibilização da mesma no principal banco público, o
Genbank. O que fez então o Projeto Genoma Humano? Migrou para a Nature. Além de
uma boa estória sobre um momento histórico da ciência internacional, o desfecho
acabou afetando de forma negativa a iniciativa genômica brasileira. Na época
estávamos no meio do Projeto Genoma Humano do Câncer, cujo objetivo, plenamente
cumprido, era sequenciar pelo menos um milhão de sequências expressas de vários
tumores com alta incidência no Brasil. Mas como a migração do paper do Projeto Genoma
Humano da Science para a Nature nos afetou? Na ausência de um dos dois papers
descrevendo a sequência do genoma humano, a Nature havia planejado uma edição
especial com dados de outros projetos que pudessem ser usados na anotação do
genoma humano. Em conversas mantidas
entre Ricardo Brentani, Andrew Simpson, eu e Bob Strausberg (diretor de um
projeto similar americano, o CGAP e membro do comitê avaliador do projeto brasileiro) decidimos por contactar a Nature e submeter
um artigo onde os dados do nosso projeto e do CGAP seriam usados em conjunto para ajudar na identificação dos genes humanos e seus variantes. A idéia foi recebida com entusiamo por uma
das editoras-sênior da Nature, Carina Dennis. As análises prometidas à Nature
já estavam sendo feitas pelo nosso projeto. Começamos então a redigir o
manuscrito para a submissão. Lembro que algumas versões preliminares foram
inclusives enviadas informalmente à Carina Dennis que opinou e indicou análises
que deveriam estar presentes na submissão formal (procedimento normal em edições especiais). Pois bem, quando ocorreu a
migração do paper do Projeto Genoma Humano para a Nature, a mesma se viu
obrigada a desfazer o plano original e abrir espaço para o paper do Projeto Genoma
Humano (um artigo com >50 páginas), além de outros textos associados ao
artigo. O nosso paper então foi gentilmente recusado. Tudo isso aconteceu no
final de 2000. Apesar de já ter informações de que a razão da recusa foi a
migração do paper do Projeto Genoma Humano para a Nature, tive a confirmação da própria Carina
Dennis em Março de 2001, depois de algumas caipirinhas na Ilha Grande. Agora,
por que eu estava tomando caipirinha com uma editora-sênior da Nature na Ilha
Grande? De 26-29 de março de 2001, organizamos a "Brazilian International Genome Conference" no Hotel do Frade em Angra dos Reis.
Aproveitei e convidei alguns dos palestrantes estrangeiros para visitar
a Ilha Grande. A foto abaixo foi tirada na pousada Sankay (que infelizmente foi
destruída em um deslizamento de lama alguns anos depois) durante a nossa
estadia de 2-3 dias. Carina Dennis é a terceira da esquerda para a direita (em
pé). Na foto, algumas figuras ilustres da ciência mundial. O segundo da direita
para a esquerda (em pé de chapéu) é Walter “Wally” Gilbert, prêmio Nobel de
Química em 1980 e meu mentor durante meus anos em seu laboratório na Harvard. Ao
lado de Carina Dennis (de óculos escuros) está Swante Paabo, pesquisador alemão
responsável pelo desenvolvimento das tecnologias de sequenciamento de fosséis
humanos. Ele é atualmente um dos
pesquisadores mais citados na literatura mundial. Ao seu lado esquerdo está
Gene Myers, na época o bioinformata da Celera Genomics.
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