sábado, 9 de agosto de 2014
Estendendo Dawkins!
Fonte: Wikimedia Commons
Um dos assuntos mais controversos em biologia evolutiva refere-se ao alvo da seleção natural. Até a década de 60 o pensamento predominante era que tanto o indivíduo quanto o grupo seriam alvos da seleção natural. George Williams publicou em 1966 um dos livros mais impactantes da biologia no século 20: Adaptation and Natural Selection. Nele, Williams argumenta fortemente contra a ideia da seleção por grupo. Dois anos antes, Bill Hamilton já havia proposto a ideia do "inclusive fitness" que explicaria eventos de altruísmo como uma ação entre parentes. Na base das teorias de Williams e Hamilton encontramos o argumento que o alvo da seleção natural seria o gene, ideia popularizada por Richard Dawkins em seu "O gene egoísta" (várias traduções para o português). A última década testemunhou um renascimento da seleção por grupo, agora denominada de "multilevel selection", graças principalmente aos trabalhos de David Wilson (um livro imperdível é "Unto Others" de Wilson e Sober).
Um outro conceito importante nesta discussão é o "fenótipo estendido", principal contribuição científica de Richard Dawkins (segundo ele mesmo diz em seu livro homônimo). Um fenótipo estendido seria o produto da ação dos genes de um organismo que não se manifesta no corpo do próprio organismo. Complicado? Pense no ninho de um pássaro. Ele é o produto da ação de genes que estão localizados no indivíduo que construiu o ninho, porém ele não está associado ao físico daquele indivíduo, ao contrário por exemplo da cor da plumagem do pássaro. O mesmo vale para a rede de uma aranha, a represa construída por um castor, entre muitos outros exemplos de fenótipo estendido. Pois bem, publiquei recentemente uma teoria (por mim chamada de "extended fitness" ou "adaptabilidade estendida" em portugês) que argumenta que os fenótipos estendidos representam um elo entre a seleção do indivíduo e do grupo.
No início de 2013 me deparei, nos jardins do Instituto do Cérebro, com uma cena parecida com a foto acima: uma teia com uma aranha no centro. O que me achou a atenção foi a beleza da aranha (muita mais bonita do que a mostrada acima). Ao olhar com mais cuidado, reparei em uma outra aranha da mesma espécie na borda da mesma teia. Depois de alguns minutos observando a cena, uma pergunta me veio à cabeça: e se a dona da teia morresse ou abandonasse a teia? Será que a outra aranha usaria a teia para o seu próprio proveito? Fiquei "matutando" essa ideia por algumas horas e concluí que o uso compartilhado de fenótipos estendidos poderia representar um mecanismo de seleção por grupo. O raciocínio é simples: um fenótipo estendido contribui para o fitness (adaptabilidade) do indivíduo que o gerou. Porém, o mesmo fenótipo estendido pode também contribuir para o fitness de outros indivíduos do mesmo grupo (espécie) caso ele seja usado por estes indivíduos. Dessa forma, um grupo com essa característica (uso compartilhado de fenótipos estendidos) seria mais adaptado do que outro grupo sem essa característica. Vários exemplos na natureza suportam a ideia da "adaptabilidade estendida". Vários fenótipos estendidos são abandonados e reutilizados em várias espécies. Da mesma forma, há várias evidências de que os fenótipos estendidos são específicos de cada espécie.
Um aspecto importante de uma nova teoria é a sua capacidade de fazer predições. O teste definitivo para a teoria da "adaptabilidade estendida" seria um experimento onde a adaptabilidade de dois grupos seria comparada. Em um grupo um determinado fenótipo estendido estaria disponível a todos os membros do grupo. No outro grupo, o mesmo fenótipo estendido estaria ausente. A teoria da "adaptabilidade estendida" prediz que a adaptabilidade do primeiro grupo seria maior que a do segundo, graças ao uso compartilhado de fenótipos estendidos. Uma extensão (desculpem o trocadilho) do projeto é a modelagem matemática do efeito da "adaptabilidade estendida" na dinâmica de populações virtuais. Mantenho vocês informados.
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