Um dos
editoriais da revista Nature* de 20 de Março toca em um aspecto importante que
poderia servir de lição para vários projetos brasileiros. Há cerca de 10 anos,
o Instituto Nacional de Pesquisas sobre o Genoma Humano (NHGRI) nos EUA começou
um programa cujo objetivo principal seria levar a tecnologia de sequenciamento
de DNA a um patamar onde o sequenciamento de um genoma humano custaria US$
1.000 (mil dólares). Muito próximo de se atingir esse objetivo (hoje o preço de
custo é algo em torno de US$2.000-3.000) cabe perguntarmos as razões desse
sucesso? O editorial da Nature tenta responder justamente a essa pergunta.
Abaixo, a receita do bolo.
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Definir
um objetivo claro: nesse caso, sequenciar um genoma humano por algo em
torno de US$ 1.000. Curiosamente, os projetos brasileiros de genômica (que
também foram um sucesso) tiveram essa característica. O primeiro projeto de
genômica brasileiro tinha como objetivo sequenciar o genoma da bactéria Xylella fastidiosa. O projeto “Genoma
Humano do Câncer” (do qual fui um dos coordenadores) tinha o objetivo de
sequenciar pelo menos 1 milhão de sequências expressas (fragmentos de genes
expressos) em diferentes tipos de tumor. O estabelecimento de um objetivo único
e claro gera naturalmente um foco específico para todos os participantes do
projeto.
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Estabelecer
um objetivo ambicioso mas não tão ambicioso: se o objetivo é muito
ambicioso, ele deixa de ser realista e passa a ser desanimador buscá-lo.
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Estimular
a competitividade: algumas chamadas de auxílio para pesquisa no Brasil
obedecem ao mecanismo de “fluxo contínuo”. As propostas são avaliadas à medida
que são submetidas sem uma comparação com outras propostas. Isso deveria ser
abolido e todas as chamadas deveriam ser comparativas, justamente com o
objetivo de se estimular a competitividade.
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Estimular
a interação entre acadêmia e indústria: a forma mais rápida de levar uma
descoberta da academia para o setor produtivo é estabelecer uma política de
financiamento que valorize a interação entre os dois setores. Nesse aspecto, o
Brasil tem feito o seu dever de casa e estabelecido várias iniciativas públicas
que fomentam uma interação entre academia e empresas.
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Assumir
riscos: a inovação é um processo arriscado. Uma sugestão implícita do
editorial da Nature é que os riscos sejam assumidos pela acadêmia. Os projetos
mais criativos, e consequentemente mais arriscados, deveriam ser executados mais
frequentemnete ao nível da academia. No caso do programa do NHGRI cerca de ¾
dos auxílios foram destinados à academia para financiar projetos que para a
indústria seriam muito arriscados.
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Ser
flexível: No Brasil (e no mundo todo) uma proposta é aceita na sua
totalidade (com possíveis cortes financeiros) ou rejeitada. O programa do NHGRI
possibilitou que partes de uma proposta fossem financiadas. Isso é algo que poderíamos copiar no Brasil.
Como avaliador de propostas para várias agências de financiamento,
frequentemente me deparo com propostas que na sua totalidade não são competitivas
mas apresentam uma idéia ou experimento inovador. Se houvesse a possibilidade
de financiar apenas aquele experimento ou parte da proposta, isso aceleraria o
processo de descoberta e inovação. Talvez aqui resida o principal motivo do
sucesso do programa do NHGRI.
* Nature 507:273-274, 2014.
* Nature 507:273-274, 2014.
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