quinta-feira, 17 de abril de 2014

A receita do bolo



            Um dos editoriais da revista Nature* de 20 de Março toca em um aspecto importante que poderia servir de lição para vários projetos brasileiros. Há cerca de 10 anos, o Instituto Nacional de Pesquisas sobre o Genoma Humano (NHGRI) nos EUA começou um programa cujo objetivo principal seria levar a tecnologia de sequenciamento de DNA a um patamar onde o sequenciamento de um genoma humano custaria US$ 1.000 (mil dólares). Muito próximo de se atingir esse objetivo (hoje o preço de custo é algo em torno de US$2.000-3.000) cabe perguntarmos as razões desse sucesso? O editorial da Nature tenta responder justamente a essa pergunta. Abaixo, a receita do bolo.

-       Definir um objetivo claro: nesse caso, sequenciar um genoma humano por algo em torno de US$ 1.000. Curiosamente, os projetos brasileiros de genômica (que também foram um sucesso) tiveram essa característica. O primeiro projeto de genômica brasileiro tinha como objetivo sequenciar o genoma da bactéria Xylella fastidiosa. O projeto “Genoma Humano do Câncer” (do qual fui um dos coordenadores) tinha o objetivo de sequenciar pelo menos 1 milhão de sequências expressas (fragmentos de genes expressos) em diferentes tipos de tumor. O estabelecimento de um objetivo único e claro gera naturalmente um foco específico para todos os participantes do projeto.
-       Estabelecer um objetivo ambicioso mas não tão ambicioso: se o objetivo é muito ambicioso, ele deixa de ser realista e passa a ser desanimador buscá-lo.
-       Estimular a competitividade: algumas chamadas de auxílio para pesquisa no Brasil obedecem ao mecanismo de “fluxo contínuo”. As propostas são avaliadas à medida que são submetidas sem uma comparação com outras propostas. Isso deveria ser abolido e todas as chamadas deveriam ser comparativas, justamente com o objetivo de se estimular a competitividade.
-       Estimular a interação entre acadêmia e indústria: a forma mais rápida de levar uma descoberta da academia para o setor produtivo é estabelecer uma política de financiamento que valorize a interação entre os dois setores. Nesse aspecto, o Brasil tem feito o seu dever de casa e estabelecido várias iniciativas públicas que fomentam uma interação entre academia e empresas.
-       Assumir riscos: a inovação é um processo arriscado. Uma sugestão implícita do editorial da Nature é que os riscos sejam assumidos pela acadêmia. Os projetos mais criativos, e consequentemente mais arriscados, deveriam ser executados mais frequentemnete ao nível da academia. No caso do programa do NHGRI cerca de ¾ dos auxílios foram destinados à academia para financiar projetos que para a indústria seriam muito arriscados.
-       Ser flexível: No Brasil (e no mundo todo) uma proposta é aceita na sua totalidade (com possíveis cortes financeiros) ou rejeitada. O programa do NHGRI possibilitou que partes de uma proposta fossem financiadas.  Isso é algo que poderíamos copiar no Brasil. Como avaliador de propostas para várias agências de financiamento, frequentemente me deparo com propostas que na sua totalidade não são competitivas mas apresentam uma idéia ou experimento inovador. Se houvesse a possibilidade de financiar apenas aquele experimento ou parte da proposta, isso aceleraria o processo de descoberta e inovação. Talvez aqui resida o principal motivo do sucesso do programa do NHGRI.

* Nature 507:273-274, 2014.

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