sábado, 26 de abril de 2014

A sombra criacionista de Francis Collins



                   Dias atrás recebi por email um convite da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) para a palestra de Francis Collins, diretor do Instituto Nacional de Saúde dos EUA. Depois, fiquei sabendo que Collins também estará dando a palestra de encerramento no evento da Sociedade Brasileira de Bioquimica e Biologia Molecular (SBBq), uma das mais tradicionais sociedades científicas brasileiras. Para quem não o conhece, Collins é um dos principais nomes da ciência mundial. Já era conhecido nos meios médicos e genéticos no final da década de 80 por ter desenvolvido o principal método de identificação de genes associados às doenças. Nos tempos pré-genômicos, isso era uma tarefa quase impossível. Seu método, chamado de “positional cloning” permitiu a ele e seus colaboradores identificar os genes responsáveis por uma série de doenças genéticas humanas incluindo a fibrose cística, a doença de Huntington e a neurofibromatose.  Graças ao sucesso de sua carreira, ele foi convidado para substituir James Watson como diretor do Projeto Genoma Humano. Suas brigas com Craig Venter são famosas. Mais recentemente, ele se tornou nada menos do que o diretor do Instituto Nacional de Saúde dos EUA, controlando um orçamento de 30 bilhões de dólares. 


            Pois bem, uma grande oportunidade de assistir a uma grande palestra científica, não? Depende. Há cerca de 10 anos Collins tem manifestado a sua fé cristã em um série de palestras e entrevistas bem como através do seu livro bestseller “The language of God” (há uma tradução em português disponível no Brasil). Até aí, tudo bem. Tanto em meu livro, A Goleada de Darwin, como em artigos e palestras, eu tenho argumentado que nós cientistas precisamos respeitar a fé dos outros e, assim como Collins, eu acredito não haver nenhum problema em uma pessoa ser cientista e religiosa. Dito isso, eu vejo vários problemas na forma como Collins tem se manifestado. O que me incomoda no seu discurso é a tentativa de dar suporte científico à sua fé. Veja o sub-título do seu livro – “A scientist presents evidence for belief” (traduzido para “Um cientista apresenta evidências de que Ele existe” na versão em português).  Abaixo, o link para uma palestra dada por ele na Universidade da California Berkeley.


            Alguns de seus slides e comentários são perturbadores no sentido que lembram os argumentos de criacionistas do “intelligent design”.  Não estamos falando de Michael Behe ou William Dembsky mas sim de Francis Collins, diretor do NIH e uma das faces mais conhecidas da ciência mundial.  
             
            Collins confunde os seus leitores e ouvintes sobre a natureza das evidências e sobre a natureza do processo científico. Ele diz que a sua crença em Deus é suportada por evidências empíricas da mesma forma que outras evidências suportam a teoria da evolução.

            Eu espero que Collins use o espaço nobre que ele terá no Brasil para discutir Ciência (assim mesmo, com C maiúsculo) e não faça o desserviço de poluir um debate científico com argumentos religiosos.

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